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Jovens, álcool, velocidade e trânsito: combinação de risco

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Nos finais de semana, a microempresária Socorro Miúra tenta não pensar no que pode acontecer quando sua filha Thicyani Miúra, de 23 anos, sai para as festas. Há cerca de seis meses ela perdeu seu filho mais novo, em um acidente de trânsito. Michel Miúra, 21 anos, estava em um carro com mais quatro amigos, trafegando pela Avenida João XIII, na zona Leste de Teresina, saindo de uma boate e indo para um show, quando o veiculo “sobrou” numa curva, bateu num poste e capotou várias vezes. “Se eu pensar nisso quando minha filha sai, tenho uma sensação de pavor e não vou conseguir mais viver”, acredita.

Socorro fixou um cartaz do filho em sua lanchonete

Eram 3h40 da madrugada de um domingo (24 de maio). No veículo, um Ford Fusion, de placa NGQ 0124, cor preta, onde estava Michel, como um dos passageiros, quando se acidentou. Ele morreu na hora e os outros quatro ocupantes ficaram feridos. No laudo da polícia, foi detectado excesso de velocidade e vestígio de álcool no condutor.
 
Dona Socorro estava dormindo com o celular no silencioso e não ouviu tocar. Acordou com o chamado do vizinho e de um amigo do filho, já na porta de sua casa. Ficou apreensiva, mas não podia imaginar que tinha perdido o seu filho caçula, sua companhia, já que moravam só os dois. A alegria da sua vida...
 
Cruzamento que aconteceu o acidente na avenida João XXIII - BR-343
 
A caminho do hospital soube que o trajeto mudaria... “Fomos para o IML [Instituto Médico Legal]. Eu não quis acreditar. Eu não quis ouvir. Não era verdade! A ficha nunca caiu, só quando a PRF [Polícia Rodoviária Federal] entregou os documentos dele e meu irmão viu seu corpo. Foi aí que desabei!”, relembra dona Socorro Miúra.
 
Para a mãe, isso não é natural. “Meu filho adorava viver, era extrovertido e tinha muitos amigos. Ele curtia sua vida intensamente. Alegre... ele realmente vivia cada dia como se fosse o último. Perdi meu filho. Não desejo isso para mãe nenhuma, nunca desejaria nem para um inimigo. Só quem passa é quem sabe... Isso não é normal: o filho ir antes da mãe...”
 
Socorro Miúra reconhece que o filho, assim como outros jovens não pensam muito nos riscos que o álcool e a alta velocidade podem causar no trânsito. “Já é tão falado que bebida e direção não combinam. Mas os jovens são irresponsáveis por natureza, acham que nunca vai acontecer com eles, mesmo sabendo que a toda hora isso acontece. Os jovens gostam de aventura. O que deve ter é rigor na fiscalização, já que a conscientização só vem com esse rigor. Eu não culpo ninguém pela morte do meu filho. Os cinco que estavam correndo os riscos estavam errados. Se tiver fiscalização, outra mãe não perderá seu filho”, afirmou.  

Alguns pais defendem que o exemplo dentro de casa, pode funcionar mais que as fiscalizações nas ruas. A mãe da estudante Maria Isabel Galgane, de 17 anos, Gemma Barroso, acredita que os valores morais são os principais inibidores de imprudências no trânsito e procura ensinar todos os dias à sua filha. “Eu acredito e sigo com respeito no trânsito. Minha filha já passou no vestibular, aos 17 anos, mas eu não deixo ela dirigir, nunca deixei. Ela só irá começar a aprender quando for a idade permitida. Procuro respeitar a legislação para servir de exemplo para ela”, destacou a professora, que também é diretora da Escola de Trânsito do Detran-PI.
 
Gemma Barroso diz que várias vezes já ouviu a filha reclamar que “deixa todo mundo passar em sua frente”. Para a professora, isso demonstra o respeito que tem pelo próximo. “Eu passo esse respeito para ela e ela vai passar para o mundo. Como que vou pedir para minha filha usar o cinto, por exemplo, se eu não uso. Ela vai dizer: Por que vou usar, se você não usa?!”
 
Gemma Barroso
 
Ela afirma que há fiscalização, mas as pessoas não respeitam, mesmo sabendo que podem ser punidas a qualquer momento, caso encontrem fiscais nas vias. Segundo Gemma, os órgãos fazem o seu papel muito bem, com campanhas como Fique Vivo, Anjos da Guarda, mas o respeito ao próximo ainda é deixado de lado pelo egoísmo, individualidade e a pressa.
 
Quando vai ministrar palestras em faculdades, a diretora da Escola de Trânsito fala de prudência, controle, álcool, celular no volante e os jovens riem. “São jovens bonitos que chegam em seus carros e acham que respeitar o código de trânsito é bobagem. Mas, é preciso conhecê-lo e respeitá-lo, para que a estatística de um milhão de mortes no trânsito por ano, no mundo, seja reduzida”.
 
A coordenadora de Educação no Trânsito da Superintendência de Trânsito de Teresina (Strans), Audea Lima, fala que conscientizar os jovens é o grande desafio dos educadores, pois é preciso mudar o comportamento das pessoas.
 
“Os jovens confundem diversão com perigo, prazer com risco de vida e emoção com imprudência. Mas eles precisam aprender que trânsito é cidadania e isso precisa começar em sua formação. Se o jovem faz parte do grupo que dos não têm limites, fica mais difícil para ele entender, que precisa respeitar os outros”, explicou à educadora. 
Audea Lima, coordenadora de Educação no Trânsito
 
Na opinião da especialista, só campanhas educativas não bastam, é preciso a presença familiar para impor limites. De acordo com Audea Lima, os valores familiares são fundamentais para o jovem entender que há uma vida coletiva no trânsito, que ele “não é o centro do mundo” e que para correr riscos, eles podem adotar algum esporte radical.
 
“Nestes esportes eles podem correr riscos, com precauções, diferente dos riscos no trânsito, onde não há como prever os prejuízos. Nas vias públicas eles não arriscam não somente suas vidas, mas de outras pessoas inocentes”, destacou. 

Em relação à fiscalização, a coordenadora acredita que está sendo feita, mas o número de infratores é bem maior que os de fiscais. “O processo educativo é importante para conhecer os limites, independente de fiscalização, que é importante e faz parte desse processo”. 
 
E completa: “É uma questão de cidadania, de educação, você não pode obedecer só porque será multado. O Estado tem que fazer com que a Lei seja cumprida, mas o cidadão que pede punição é o mesmo que critica o Estado quando vem uma punição para ele”.
 
Estatísticas
 
Na mesma rodovia que Michel perdeu a vida, nos primeiros oito meses deste ano, 27 acidentes envolvendo motoristas embriagados foram registrados pela PRF. Nove pessoas morreram e 131 ficaram feridas. Os óbitos ocorreram de noite e/ou madrugada e a maioria eram jovens entre 20 e 30 anos.
 
O perímetro é considerado perigoso pela Polícia Rodoviária, já que dos 1.401 acidentes ocorridos de Janeiro a Agosto, nas 11 rodovias federais que cortam o Piauí, cerca de 27% aconteceram somente entre os quilômetros da BR-343 (Km 345 a 354) que cortam a zona urbana de Teresina. 

“Você aprende pelo amor ou pela dor”
 
As campanhas educativas, as fiscalizações e as estatísticas ruins, não vão acabar com o sofrimento de dona Socorro, que trabalhava com seu filho, morava sozinha com ele e agora divide a casa com sua outra filha (Thicyane), que voltou após a morte do irmão.
 
Ela se emociona ao dizer que nunca mais terá a mesma alegria de antes. “Depois da morte do Michel, as alegrias não serão mais as mesmas, as festas, os encontros de família... sempre vai faltar alguma coisa ou alguém. Sempre vou pensar no meu filho querido, que se foi. Hoje, ele é um anjo e eu tenho certeza que o céu está mais feliz...” 
"Aonde quer que eu vá, levo você no olhar..." (frase do orkut)
 
A mãe Gemma Barroso, que segue uma boa conduta no trânsito, crê em um ditado, o qual incorporou em sua vida: “O ser humano tem duas formas de aprender: pelo amor e pela dor. Eu ensino minha filha com amor, todas as infrações que presenciamos nas ruas, digo a ela o que está errado e procuro mostrar a forma correta. Porque senão, mais cedo ou mais tarde vamos aprender com a dor, que não é um caminho muito bom de seguir”, finalizou. 
 
Caroline Oliveira
Fotos: Caroline Oliveira, Carlos Lustosa, Raulino Neto e arquivo pessoal
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